AS ÁGUAS NA POLÍTICA ECONÔMICA: UM DEBATE QUE SEMPRE SE RENOVA


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Ricardo Antônio Lucas Camargo

AS ÁGUAS NA POLÍTICA ECONÔMICA: UM DEBATE QUE SEMPRE SE RENOVA

 

Ricardo Antônio Lucas Camargo

Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais

Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico

 

Um dos temas mais preocupantes neste final de século, sem sombra de dúvidas, é a água. Muito se fala na importância da água para a agricultura e pecuária, na sua própria finalidade para o consumo humano, tanto na alimentação como na higienização, o seu próprio papel enquanto habitat de espécies úteis para o homem e enquanto meio sobre o qual este se desloca. Fala-se, também, no seu escasseamento, decorrente da poluição, por todas as espécies conhecidas, e das alterações climáticas. Maria Luíza Machado Granziera aparta os usos que podem influir na disponibilidade deste bem: “alguns usos da água praticamente não alteram sua quantidade. Por isso, são chamados usos não-consuntivos, como, por exemplo, a geração de energia elétrica, a navegação e a recreação. Outros, ao contrário, consomem parte ou toda a água demandada. São os usos consuntivos. Dentre eles destacam-se a irrigação e o abastecimento urbano e industrial” [Direito de águas e meio ambiente. São Paulo: Ícone, 1993, p. 22]. De acordo com Silviana Lúcia Hnekes, "A institucionalização do Gerenciamento dos Recursos Hídricos no Brasil, data de 1920, com a criação da Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas, do Serviço Geológico e Mineralógico do Ministério da Agricultura (LANNA, 1995). Em 1933, com a reformulação desse serviço foi criada a Diretoria de Águas que, em seguida foi transformada no Serviço de Águas. Já, no ano seguinte, ou seja, em 1934, o Serviço de Águas foi inserido na estrutura do Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM. Em 1940, o Serviço de Águas torna-se Divisão de Águas, neste ano também foi criado o Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS extinto em 1990 (LANNA, 1995)."[Histórico legal e institucional dos recursos hídricos no Brasil . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4146>. Acesso em: 15 abr. 2004]. O Decreto 24.643, de 1934, expressa, efetivamente, em seus "Consideranda", a preocupação com a regulamentação do aproveitamento industrial das águas, bem como com o aproveitamento racional da energia hidráulica. O seu artigo 34 assegura o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas para as necessidades primeiras da vida, havendo um caminho público que a torne acessível. Claro que, aqui, entra em questão o próprio conceito de potabilidade, sobre o qual Vilson Rodrigues Alves traz uma contribuição interessante: “quanto à água e sua potabilidade, o que se exige à caracterização dessa qualidade não é a pureza e a inocuidade biológica, mas sim o ser apropriada à alimentação e à bebida, além da utilização como integrante do preparo de alimentos” [Uso nocivo da propriedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 323]. O artigo 35 do mesmo Diploma impõe, no caso de não haver caminho público, aos proprietários marginais que não impeçam seus vizinhos de aproveitarem as águas para tal fim, desde que sejam indenizados do prejuízo do trânsito em seus prédios. O artigo 43 deste mesmo Decreto veda a derivação das águas públicas para aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem que exista, no caso de utilidade pública, concessão, ou autorização, nos demais casos. No artigo 53, determina-se aos utentes das águas públicas de uso comum e aos proprietários marginais que se abstenham da prática de atos que prejudiquem ou embaracem o livre curso das águas, e a navegação ou flutuação, exceto se existente alguma autorização para tanto em concessão. Os proprietários marginais de águas públicas são obrigados a remover os obstáculos que tenham origem nos seus prédios (artigo 54). Se não tiverem origem nos prédios marginais, sendo devidos a acidentes naturais ou à própria ação das águas, havendo dono, este deverá removê-los, se não houver dono conhecido, quem o deverá fazer será a administração (artigo 55). O artigo 57 alberga disposição que oferta os critérios a serem observados na apreciação destes fatos pela autoridade competente: os usos locais, a efetividade do embaraço ou prejuízo, principalmente com referência às águas terrestres, dando, ainda, como balizador, evitar o prejuízo desproporcional aos utentes e proprietários marginais, considerando a vastidão do país e a existência de zonas de população escassa - norma especial, prevalecente sobre os artigos 131 do Código de Processo Civil e 157 do Código de Processo Penal -. O artigo 109 do Decreto 24.643, de 1934, proíbe a todos conspurcarem ou contaminarem água que não consumam, com prejuízo de terceiros. Pelo artigo 110, determina-se que os trabalhos para garantir a salubridade das águas sejam executados à custa dos infratores. O artigo 111 permite que as águas sofram degradação quando expressamente autorizado pela autoridade administrativa, verificada a necessidade de se atender os interesses relevantes da indústria ou da agricultura, mediante contrapartida dos industriais e agricultores no sentido de as purificar. O artigo 113 diz com o dever de drenagem dos terrenos pantanosos, reconhecida a respectiva insalubridade. O Código Penal de 1940 prevê como crimes de perigo comum o envenenar água potável (artigo 270) e o corromper ou poluir água potável, tornando-a imprópria ao consumo ou nociva à saúde (artigo 271). Em 1945, criaram-se a Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Em 1948, foi criada a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - CODEVASF. O inciso VII do artigo 2º da Lei 4.132, de 1962, estabeleceu como uma das hipóteses que autorizariam a desapropriação por interesse social a preservação de cursos e mananciais de água. A Lei 4.771, de 1965, determinou a classificação da vegetação ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d´água, ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, nas nascentes, mesmo nos chamados "olhos d´água", seja qual for a sua situação topográfica; como sendo de preservação permanente. O Código de Mineração - Decreto-lei 227, de 1967 - versa também cuidados com a água. Assim, em vários incisos do artigo 47, que prevê como obrigações do titular da concessão evitar o extravio das águas e drenar as que possam causar prejuízo aos vizinhos (inciso X), evitar a poluição da água que possa resultar dos trabalhos de mineração (inciso XI), proteger e conservar fontes, bem como utilizar as águas segundo critérios técnicos (inciso XII). A Lei 5.138, de 1967, veio a disciplinar o saneamento básico, especialmente sobre o sistema de esgoto e de drenagem de águas pluviais, o controle das modificações artificiais das massas de água e o controle das inundações e da erosão. A Lei 6.662, de 1979, deflagrou o Programa Nacional de Irrigação e o Programa de Irrigação do Nordeste, procurando desenvolver a agricultura naquela região, tradicional produtora de cana-de-açúcar, para fornecer o produto que se pretendia fosse substituir o petróleo, qual seja, o álcool. Convém não esquecer que se atribuiu a decadência econômica do regime militar instaurado em 1964 ao aumento dos preços do petróleo ocorrido no ano de 1974, e que o regime tivera focada a sua política econômica, basicamente, de acordo com o ensinamento de Avelãs Nunes, nas empresas fornecedoras de bens de consumo durável e nos empréstimos externos: "vários fatores - entre os quais o desvio de grande volume de poupanças para o financiamento do crédito ao consumo - não permitiram que a taxa de investimento subisse suficientemente para acompanhar o ritmo de aumento da população, tendo em conta a relação capital/produto e a taxa de depreciação correntes na economia brasileira. A lentidão relativa do aumento da taxa de investimento líquido durante os anos do milagre não só não permitiu reduzir o atraso do setor de produção de bens de capital como agravou ainda a dependência do investimento e da evolução da economia perante a capacidade de importar. Esta uma das razões que, a partir de 1973/74, em virtude de sua deficiente estrutura industrial, provocaram o agravamento da crise do capitalismo brasileiro em decorrência da própria crise do capitalismo mundial" [Industrialização e desenvolvimento - a economia política do modelo brasileiro de desenvolvimento. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra, 24/25, p. 632-633, 1982 - supl.]. Por outro lado, o desenvolvimento da indústria nas Regiões Sudeste e Sul desencadeou uma mais intensa migração interna das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e já no final da década de 70 a situação nas grandes cidades das Regiões industrializadas era considerada preocupante. É neste contexto, pois, que se há de entender a entrada em vigor da legislação concernente à irrigação. A classificação dos usos a serem dados à água consta da Resolução 20/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. A Lei 9.605, de 1998, em seu artigo 54, § 2º, III, aponta como circunstância qualificadora do crime de "causar poluição em níveis tais que resultem ou possam resultar danos à saúde humana, mortandade de animais ou destruição significativa da flora" acarretar a interrupção do abastecimento hídrico de uma comunidade. De outra parte, quando se toma em consideração o problema da poluição das águas e do tratamento das águas "nocivas", cabe meditar esta passagem de Rodrigo Andreotti Musetti: "observamos não só nos municípios de Campinas e São Paulo, mas também em outros (São Carlos - SP, etc.), uma certa tendência politico-administrativa favorável à canalização dos córregos e cursos d’água urbanos ou rurais como solução rápida, fácil e definitiva para se evitarem enchentes, mau-cheiro, desbarrancamentos, proliferação de insetos e doenças, bem como outros efeitos da má conservação, proteção e preservação do meio ambiente (rural ou urbano). Nesse contexto, são atribuídos aos cursos d’água sinônimos equivocados, que acabam por iludir a massa populacional menos atenta, fazendo com que ocorra a inversão de valores, substituindo-se a realidade pela ilusão. Embora quase sempre desconhecida do povo menos instruído (rico ou pobre materialmente), as áreas de preservação permanente possuem uma importância ambiental muito significativa, seja qual for sua localização (área urbana ou rural). No ambiente urbano, em especial, estas áreas protegem o equilíbrio paisagístico caracterizado, de um lado pela frieza e morbidez dos cenários de cimento e, de outro, pelas cores, tranqüilidade e beleza dos cenários naturais, além de ser fator determinante para o equilíbrio da temperatura, para a diminuição dos ruídos e da poluição atmosférica, dentre outros. Hoje, professores e especialistas em Hidrologia, Hidráulica, Engenharia Sanitária e em Geografia, são unânimes em reconhecer que a canalização de córregos não resolve o problema das enchentes urbanas. O objetivo das obras de canalização é tentar mitigar ou resolver os vários problemas ambientais que ocorrem nos rios, córregos e cursos d’ água, provenientes da ocupação de áreas impróprias (áreas de preservação permanente, dentre outras) nas cidades. Tal ocupação decorre do crescimento urbano desordenado, da inexistência de planos diretores nas cidades, da falta de administração pública, da carência de ONGs ambientais, da educação deficiente da população, da falta de provocação do Judiciário e, principalmente, do representante do Ministério Público – o Promotor de Justiça, etc. Os problemas ambientais decorrentes das obras de canalização de córregos, cursos d’água e da retirada da cobertura vegetal (áreas de preservação permanente, etc.) caracterizam-se por enchentes, assoreamento de rios, córregos e cursos d’água, alterações no balanço hídrico, alterações no clima (regime de chuvas; ilhas de calor; elevação na umidade do ar; mudança na direção e velocidade do vento), perda de bens e vidas, comprometimento do abastecimento de água potável e da saúde da população. O inadequado planejamento e projeto de drenagem urbana, aliado à canalizações de córregos, aumentam em cerca de sete vezes a entrada de escoamento na macrodrenagem urbana. As obras de canalização são caras, demoradas e provocam inúmeros impactos ambientais, além de serem de eficiência decrescente à medida em que a degradação ambiental avança na região em que são implantadas. Com efeito, os que detêm o poder canalizam os córregos (bens ambientais de valores culturais, históricos, turísticos, paisagísticos, educacionais, dentre outros.) que também pertencem às futuras gerações. Os pobres (materialmente), especialmente, sofrem mais o efeito desta degradação ambiental" [O Direito Ambiental e as enchentes . Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1702>. Acesso em: 15 abr. 2004]. Todas estas questões, como se vê, extrapassam as questões de verificação dos direitos de vizinhança ou das formalidades dos atos administrativos. O que vem como valor jurídico, em si mesmo, é a garantia do abastecimento da água às populações e para a irrigação, bem como da navegabilidade destas mesmas águas. Trata-se, pois, de se a considerar como inserta no seio da política econômica e, portanto, como objeto do Direito Econômico. Apesar de, legislativamente, a água, como se vê, ser tratada há tempos como bem passível de esgotamento e, por isto, merecedora de um tratamento específico que fosse apto a impedi-lo ou mitigá-lo, o prejuízo decorrente do desperdício continua uma constante, como salienta Maria Luíza Machado Granziera: “o conceito ‘a água é grátis’ está profundamente enraizado na cultura de alguns países. Não se costuma imaginar o trabalho e o custo agregado no armazenamento, captação, tratamento e distribuição de água, quando se abre a torneira da casa e dela verte água. O uso intensivo, por uma população crescente e sem a preocupação com sua conservação, aumenta consideravelmente esse custo, uma vez que a água passa, de bem inesgotável, a recurso finito e comprometido pela poluição” [op. cit. p. 32]. Também vai nesta linha a observação de Marcos César Botelho: "a água, não obstante sua aparência abundância, não é ilimitada. E 'aparente abundância' porque, não obstante, ¾ da Terra serem de Água, apenas uma pequena parte desta serve para os seres vivos, sobretudo ao homem. Contudo, essa aferição econômica não pode levar os homens a condutas tais, a ponto de que, um indivíduo possa pagar pela água para usá-la de modo como quiser. Pelo contrário, a ocorrência desta valorização econômica deve levar em conta o preço da conservação, da recuperação e da melhor distribuição desse bem. Não há mais lugar para o direito por si só. Em outras palavras, o direito absoluto é rechaçado. Todos têm direitos, os quais são relativos" [Recursos Hídricos . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2614>. Acesso em: 15 abr. 2004]. Torna-se, pois, mister a racionalização dos usos a serem dados à água, por todos os vieses [SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo regimental na petição 1363/RS. Relator: Min. Nilson Naves. DJU 2 dez 2002; agravo regimental na petição 924/GO. Relator: Min. Pádua Ribeiro. DJU 29 maio 2000; agravo regimental na suspensão de segurança 693/DF. Relator: Min. Pádua Ribeiro. DJU 20 set 1999; recurso especial 150.137. Relator: Min. Garcia Vieira. DJU 27 abr 1998; ]. Daí por que vem a crítica de Edis Milaré: “não tem havido, efetivamente, uma Política Nacional de Recursos Hídricos no Brasil. O gerenciamento, ou a falta dele, tem-se dado sob óticas exclusivamente setoriais, ou sob pressão de impulsos isolados [...]. Acentua-se o interesse pelo sistema de administração por bacias hidrográficas [...]” [Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 127]. Informa Silviana Lúcia Henkes que "o ponto de partida para a reformulação institucional do gerenciamento hídrico brasileiro foi a criação dos Comitês de Bacias Hidrográficas, na década de 70. O primeiro comitê criado foi o Comitê Especial, em 1976, que é fruto de um acordo entre o Governo do Estado de São Paulo e o Ministério das Minas e Energia. Este comitê tinha como objetivo promover o equacionamento dos problemas e conflitos existentes em relação aos usos da água na Região Metropolitana de São Paulo, como também a melhoria das condições sanitárias das águas das bacias do Tietê e Cubatão. A criação deste comitê é um marco importante na administração hídrica brasileira, tendo em vista que promoveu a integração interinstitucional e intergovernamental para o gerenciamento de recursos hídricos. Em 1978, em decorrência dos resultados positivos alcançados pelo Comitê Especial, foi criado através da Portaria nº 90, de 29/03/1978, o Comitê Especial de Estudo Integrados de Bacias Hidrográficas – CEEIBH. Este comitê de nível nacional tinha por objetivo promover a utilização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios de domínio da União. Tal mister, dar-se-ia mediante a integração dos estudos setoriais desenvolvidos pelas diversas entidades que interferissem no uso dos recursos hídricos. O CEEIBH também foi incumbido de classificar os cursos d’água de domínio da União. Para atingir seus objetivos o CEEIBH, em 1979, criou outros comitês executivos em alguns dos principais rios brasileiros, quase sejam: CEEIVAP no rio Paraíba do Sul; CEEIPEMA no rio Parapanema; CEEIG no rio Guaíba; CEEIRJ no rio Jari; e o CEEIVASF do rio São Francisco. Nos anos de 1980, 1981 e 1982, respectivamente, foram criados os seguintes comitês executivos: CEERI, no rio Iguaçu; CEEIPAR, no rio Paranaíba; e CEEIJAPI, nos rios Jaguari-Piracicaba. O CEEIBH e o CEEIVASF ainda estão em funcionamento (SETTI, 2001; POMPEU, 2001; GRANZIEIRA, 2001; LANNA, 1995). Entre os anos de 1980 a 1984, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica fez diagnósticos de 2.500.000 km2 de bacias hidrográficas, tendo por objetivo classificar as águas e dar início a um processo de gerenciamento co-participativo, baseado em informações confiáveis (SETTI, 2001). Em 1984, teve início as atividades do Conselho Nacional do Meio Ambiente –CONAMA. Neste ano, também foi editado o Relatório da Qualidade do Meio Ambiente – RQMA (SETTI, 2001). Em 1985, foi criado o Ministério Extraordinário da Irrigação através do Programa Nacional de Irrigação – PRONI e Programa de Irrigação do Nordeste – PROINE. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal Brasileira que em seu artigo 21, XIX, prevê a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SNGRH. O SNGRH somente foi criado em 1997, através da Lei 9433/97 que regulamentou o dispositivo constitucional. Após 1988, a União implantou alguns comitês de Integração de Bacias Hidrográficas, sendo eles: Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP, Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Alto Paraguai Pantanal – CIBHAPP e o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Piranha-Açu – CIBHPA. O CEIVAP substituiu o CEEIVAP, este último criado na década de 70 (POMPEU, 2001). O Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos ou Comitê dos Sinos/RS, foi o primeiro comitê brasileiro criado por entidades não-governamentais. Sua criação data de março de 1988 (LANNA, 1995). Em 22/02/1989, foi criado o IBAMA através da Lei 7.735. O IBAMA resultou da fusão da SEMA, SUDHEVEA e SUDEPE (SETTI, 2001). Em 01/01/1995, foi criada a Secretaria dos Recursos Hídricos – SRH, pela Medida Provisória 813. Esta medida provisória foi convertida na Lei 9.649, de 27.05.1998 (SETTI, 2001)." [op. cit.]. Como se pode ver, estamos precisamente no terreno da disciplina da utilização dos recursos do supersolo e, de acordo com Washington Peluso Albino de Souza, "essa utilização obedece ao sentido de satisfazer as necessidades fundamentais da vida humana, de modo a conciliar a sua preservação com a exploração humana mais racional" [Primeiras linhas de Direito Econômico. 4ª ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 455]. Tal conciliação, como é óbvio, somente mediante um adequado planejamento se pode fazer. A Lei 9.433, de 1997, oferta as bases para a Política de Gestão dos Recursos Hídricos. Como fundamentos elenca, no seu artigo 1º, os seguintes: "I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos; VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades". O artigo 5º do diploma ora resenhado define como instrumentos da política nacional de recursos hídricos os Planos de Recursos Hídricos, o enquadramento dos corpos de água em classes, a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos, a cobrança pelo uso de tais recursos, a compensação aos municípios e o Sistema de Informações sobre os Recursos Hídricos. Cada um destes instrumentos vem a ser objeto de disciplina detalhada ao longo do diploma ora resenhado, para o que os limites do presente texto se mostram exíguos. Veja-se que um dos grandes temas que vêm a chamar a atenção na lei federal em questão é precisamente a expressa adoção da concertação, dada a composição dos Comitês da Bacia Hidrográfica, no artigo 39, havendo normas especiais para os rios fronteiriços e transfronteiriços (§ 2º) e para as bacias cujos territórios abranjam terras indígenas (§ 3º). Também há a referência à criação de Agências Hídricas, com a veiculação de normas gerais a serem observadas pelos entes componentes da Federação (artigos 40 a 44). A Lei 9.984, de 2000, criou a Agência Nacional de Águas, a ANA, voltada à implementação, em sua esfera de atribuições, da política nacional de recursos hídricos.